John Carpenter estava novamente em pazes com a indústria hollywoodiana. Após o enorme sucesso de Starman – O Homem das Estrelas, o diretor se redimiu pela má recepção de O Enigma de Outro Mundo e ganhou maior liberdade para escolher roteiros que lhe interessassem. Curiosamente, na mesma época Carpenter foi convidado para dirigir tanto O Rapto do Menino Dourado quanto Os Aventureiros do Bairro Proibido, porém, se interessou mais pelo roteiro deste último. Sorte nossa!
Com uma ideia original de W. D. Richter, que intencionava fazer uma espécie de western como sequência espiritual de As Aventuras de Buckaroo Banzai (que ele dirigiu em 1984), Os Aventureiros do Bairro Proibido foi roteirizado por Gary Goldman e David Z. Weinstein. Apesar de Weisntein não ter tido outra experiência como roteirista, Richter já havia trabalhado em dois ótimos cults do cinema fantástico, Os Invasores de Corpos (1978) e Drácula (1979). Já Goldman faria depois o clássico O Vingador do Futuro (1990).
Com tantas mentes criativas envolvidas nessa história, é claro que sairia algo divertido a partir daí. Remetendo aos filmes exploitation de artes marciais e kung-fu dos anos 70, o longa acompanha o caminhoneiro Jack Burton (Kurt Russel, em sua quarta colaboração com Carpenter) ajudando seu amigo Wang Chi (Dennis Dun, O Último Imperador) a resgatar a namorada deste último após ela ter sido raptada por uma gangue chinesa, envolvida com magia negra, liderada pelo maléfico Lo Pan (James Hong, Blade Runner – O Caçador de Androides). A dupla também é auxiliada pela corajosa advogada Gracie Law (a Samantha de Sex and the City) e o misterioso Egg Shen (Victor Wong, que também esteve no divertido O Ataque dos Vermes Malditos).
Inicialmente, o filme já subverte dois clássicos do cinema. John Carpenter cria enquadramentos na primeira sequência que remetem à introdução reveladora de O Poderoso Chefão. Logo depois, o diretor nos apresenta aos bastidores de um bairro chinês que é tão cheio de mistérios e ações ocultas quanto a Chinatown de Roman Polanski, embora vá para um teor fantasioso contrastante. Aliás, o “Bairro Proibido” visto aqui é idealmente construído por John Carpenter como um universo à parte da realidade, o que já ajuda a dar o tom fantástico da narrativa.
O design de produção de John J. Lloyd (que já havia trabalhado com Carpenter em O Enigma de Outro Mundo) trabalha bem os quarteirões pequenos com tradicional arquitetura milenar chinesa; entre ruelas úmidas e enevoadas, que são hábeis em dar um certo ar de sufocamento. O efeito ocorre principalmente quando Carpenter cria planos que enfocam o caminhão de Jack Burton como um corpo estranho imenso dentro daquela vizinhança, quase como um símbolo da mentalidade ocidental que não é capaz de entender as sutilezas do mundo oriental.
A sintonia do trabalho entre Lloyd e Carpenter é efetiva ao ir aprofundando os espectadores, progressivamente, em um mundo oculto absurdo. Iniciando em um metafórico elevador que se inunda aos poucos e se abre para uma câmara com cadáveres pútridos, o filme progride por ambientes cada vez mais inventivos. Passando por uma caverna sombria inundada por “sangue negro da Terra” e habitado por um pré-histórico verme gigante, e um templo chinês com arquitetura opulenta que mistura demônios chineses e neon (!!), Os Aventureiros do Bairro Proibido nunca deixa de nos impressionar pela criatividade “surtada”. Sem contar as criaturas bizarras sugestivamente caracterizadas para parecem saídas de filme B de horror, como Creepshow: Show de Horrores.
Surtada, aliás, é um adjetivo ideal para descrevermos a galeria de personagens dessa história. A começar por Jack Burton, que evoca uma paródia da autoconfiança dos heróis encarnados por John Wayne nos antigos westerns hollywoodianos, com os momentos desconcertantes de Indiana Jones. Kurt Russel eternizou o personagem da mesma forma que fez com o anterior Snake Plissken. O mais estranho é que o estúdio queria que Clint Eastwood ou Jack Nicholson interpretassem o papel, algo completamente inviável quando testemunhamos a hilária atuação de Russel. O ator acerta em cheio em apostar em expressões faciais e entonações de voz completamente canastras, desde sua introdução cheia de filosofia barata e histórias de pescador (ótima sacada do roteiro). Sempre com comentários irônicos acerca das bizarrices que presencia, Russel esbanja carisma e humor durante todos os segundos da película, seja quando faz humor físico (como no momento que comemora com tiros o início de um embate) ou quando entoa simples diálogos com uma presunção gigantesca (“Jack Burton! Me!”).
Com o mesmo tom de humor de Kurt Russel, todo o restante do elenco entrega interpretações homogeneamente engraçadas. Tão intenso quanto a simpatia de Dennis Dun, que também trabalhou com Carpenter no posterior Príncipe das Sombras, é o timming cômico de Kim Cattral. A atriz, aliás, já era experiente em comédias por clássicos dos anos 80, como Porky’s – A Casa do Amor e do Riso e Loucademia de Polícia. Explorando as situações absurdas com um tom “dramático” muito engraçado (“Don’t panic, it’s just me: Gracie Law!”), Cattral também é inteligente ao ciar uma dinâmica screwball com Russel que só intensifica a química de seus personagens.
Ainda em relação aos personagens, deve-se destacar o trabalho emblemático de James Hong como Lo Pan e Victor Wong como Egg Shen. O primeiro, que serviu de inspiração para o feiticeiro Shang Tsung dos jogos Mortal Kombat, é um vilão apropriadamente caricatural encarnado com muita energia por Hong. Com o auxílio de uma caracterização adequadamente exagerada (com direito a maquiagem “tosca”; luzes saindo da boca e olhos; e unhas de Zé do Caixão), Hong é bem-sucedido ao realizar expressões, gestos e gargalhadas malignas que contrastam com a hilária versão senil, e atrevida, do vilão (com direito a cadeira de rodas motorizada). Já Wong opta por interpretar Shen com o mesmo tom de seriedade deslocado que tornou o humor de Leslie Nielsen tão eficaz. É hilário vê-lo jogando suas “bolinhas de gude” explosivas como se estivesse realmente combatendo um poder maligno real, da mesma forma que o leque refletor de raios (!!!) é um detalhe inspiradíssimo.
Dando a impressão de estar se divertindo à beça, John Carpenter trabalha a montagem (com três montadores) de uma forma rítmica com sua (ÓTIMA) trilha sonora (em associação com o parceiro Alan Howarth) para nunca deixar o público entediado. Além de cortes dinâmicos que criam pequenas gags de humor (como ao mostrar vários vilões atrás de uma porta que Jack escancara esperançoso), Carpenter também incrementa o ritmo do filme com travellings e alguns planos-sequência (como o do conflito entre gangues rivais, no primeiro ato) que torna tudo mais fluido.
As cenas de ação dirigidas por Carpenter, aliás, merecem destaque. Além de homenagear o cinema B de artes marciais de Hong Kong, o diretor utiliza as mesmas ferramentas para dar o tom humorístico intencionalmente trash. Entre várias explosões de faísca, saltos impossíveis, mortais, ações reversas, lutas de espada e kung-fu Carpenter ainda faz questão de criar planos fechados com as expressões faciais “vilanescas” dos personagens. Menção honrosa também para a caracterização exageradamente divertida dos guerreiros e feiticeiros “Três Tempestades”, que também serviu de inspiração para Mortal Kombat.
Considerado um fiasco em seu lançamento, Os Aventureiros do Bairro Proibido arrecadou somente US$ 11 milhões de dólares em bilheteria, para um investimento de US$ 25 milhões. John Carpenter alega que o insucesso foi devido à falta de divulgação adequada pela produtora 20th Cenury Fox, que na época estava mais preocupada em promover Aliens, o Resgate. No entanto, o filme criou uma legião enorme de fãs quando lançado em home video, tendo sido em dos maiores sucessos do diretor quanto a rentals. O filme ainda concorreu ao prêmio de Melhor Trilha Sonora no Saturn Awards de 1987.
Kurt Russel desistiu de outro papel icônico dos anos 80 para trabalhar em Os Aventureiros do Bairro Proibido, nada menos que Connor MacLeod, o próprio Highlander que Cristopher Lambert acabou interpretando. Embora seja outro projeto bacana, é impossível pensarmos em Jack Burton sem a imagem, e talento, de Russel.
A divertida música-tema do filme, “Big Trouble in Little China” foi composta pela antiga banda do próprio diretor, Coup de Villes. O interessante é que os outros dois membros da banda também são cineastas que trabalham juntos com Carpenter em alguns projetos. Tommy Lee Wallace é o diretor de Halloween III: A Noite das Bruxas, It: Uma Obra-Prima do Medo e A Hora do Espanto. Já Nick Castle também dirigiu longas do gênero fantástico, como O Último Guerreiro das Estrelas e O Garoto que Podia Voar.
Cada vez mais empolgante e divertido a cada nova assistida, Os Aventureiros do Bairro Proibido fez a alegria de muita molecada nos anos 80 e 90 com suas diversas reprises na “Sessão da Tarde”. Um filme de aventura extremamente criativo, bem como seus personagens hilários. Um cult autêntico de John Carpenter que sobreviverá eternamente.
Leia também:
– Revisitando a filmografia de John Carpenter
Clássico do auge da “Sessão da Tarde”, Os Aventureiros do Bairro Proibido apresenta um dos heróis mais hilários e icônicos do cinema B: Jack Burton. Além de John Carpenter estar em sua melhor forma de aventura e bom-humor, o longa conta com uma história de ação e magia negra chinesa tão absurda quanto divertida.
-
Roteiro
-
Elenco
-
Fotografia
-
Trilha Sonora
1 comentário
quem é o dublador de Lopan?