A carreira do mestre Alfred Hitchcock é tão recheada de obras-primas que, por muitas vezes, acabamos nos retendo a um pequeno número de filmes mais famosos e reconhecidos do cineasta, deixando de lado preciosidades com menos renome. Poucos diretores têm em seu currículo tantos filmes clássicos e inesquecíveis quanto o britânico, eternizado por trabalhos como Psicose, Um Corpo que Cai, Janela Indiscreta, Intriga Internacional e Interlúdio. Mas o mestre do suspense dirigiu mais de cinquenta filmes, e seria uma enorme injustiça com ele, e com o próprio cinema, deixar de lado essa enorme quantidade de material que ele produziu. Um filme pouco conhecido de Hitchcock, realizado já no ocaso de sua carreira, em 1964, é Marnie, Confissões de Uma Ladra (Marnie). Pautado pelo roteiro de Jay Presson Allen, baseado no romance de Winston Graham, o filme conta a história da personagem-título interpretada por Tippi Hedren, que também trabalhou com o diretor no icônico Os Pássaros.
Marnie é uma mulher jovem, atraente e misteriosa. O roteiro, inteligentemente, a apresenta por meio de outros personagens. Depois de uma ampla discussão entre o empresário Strutt (Martin Gabel), que acabara de ser roubado por sua secretária, e a polícia, que estava coletando informações para identificar à criminosa, Hitchcock nos dá a primeira visão da moça, caminhando calmamente em uma estação de trem, portando uma mala aparentemente cheia. Depois disso, Marnie volta para casa. Lá, encontra-se com sua mãe, que questiona e estranha mais um presente vindo de sua filha. Elas acabam brigando, e Marnie sai da cidade mais uma vez. Agora, ela precisa colocar em prática mais um roubo e, para isso, consegue um emprego na empresa de Mark Rutland, interpretado pelo eterno James Bond, Sean Connery.
Pouco a pouco, Marnie vai se acostumando com a rotina e a convivência com as pessoas do novo trabalho. Sempre proativa e dedicada, é chamada por Mark para um serviço extra, em um sábado. Porém, nesse dia, uma forte tempestade atinge a casa do milionário. Inexplicavelmente, a moça entra em estado de desespero com o barulho dos trovões, e, no meio de suas tentativas de acalmá-la, Mark a beija. Esse é o início de uma relação extremamente problemática que se desenvolverá entre os dois. Aproveitando-se do interesse do patrão, a ladra consegue realizar o roubo antes do esperado. Contudo, alguns dias depois de fugir, Mark a encontra. A reviravolta, porém, ocorre em seguida: ele diz que não vai colocá-la na prisão, desde que Marnie aceite se casar com ele.
À medida que o tempo passa, Marnie acaba revelando uma estranha repulsa pelo toque de Mark. Ela simplesmente não consegue ser tocada pelo homem. Além disso, ao longo de todo o filme, a protagonista demonstra aversão à cor vermelha, e toda vez que entra em contato com a pigmentação, ela entra em pânico. Isso, somado aos constantes pesadelos, faz com que Mark comece a investigar o passado de Marnie. Concomitantemente a sua busca, o homem terá de lidar com a volta de Strutt, que agora desconfia que a esposa do parceiro de negócios seja a mesma mulher que o roubou anteriormente. Após inúmeras brigas, desentendimentos e acusações, Mark finalmente consegue desvendar o passado de sua esposa. Em uma alucinante e emocionante sequência final, o passado de Marnie é revelado, e todos os seus traumas são justificados, e ela, finalmente, se vê livre para se redimir de seus pecados e de seus erros.
Marnie – Confissões de Uma Ladra traz um Hitchcock com o qual o espectador não está tão acostumado. É um filme mais lento e cadenciado do que o resto de sua carreira. Seu roteiro se assemelha mais ao cinema europeu do que ao hollywoodiano, com suas longas e sofisticadas cenas de diálogo entre Marnie e Mark. O filme é, acima de tudo, um exímio estudo de personagem. Para aqueles que, como o lendário cineasta sueco Ingmar Bergman, acreditam que o cinema de Hitchcock desfavorecia e estereotipava as mulheres, Marnie é uma excelente resposta. Poucas personagens femininas da época possuíam a complexidade que Tippi Hedren encontrou em sua personagem, e a própria presença de uma forte emancipação feminina na personagem-título e em sua mãe são reforços do cuidado e apreço com que o diretor abordou o tema no filme.
A colorida e vívida fotografia de Robert Burks não apenas serve para preencher de forma inspirada a tela de Hitchcock, como ajuda em diversos aspectos narrativos de cenas importantes, como as que envolvem a cor vermelha e a impecável sequência do roubo de Marnie, na qual Hitchcock deixa de lado a trilha sonora de seu clássico colaborador Bernard Herrmann para usar e abusar do silêncio.
O mestre do suspense ainda viria a dirigir mais alguns filmes antes de encerrar sua filmografia. Em Marnie, temos um trabalho bastante maduro do diretor, tanto em abordagem técnica quanto temática. Naquele ponto de sua carreira, o mestre dirigia como se estivesse respirando. Era natural, e, principalmente, necessário. Hitchcock precisava do cinema, e o cinema precisava dele. Marnie, Confissões de Uma Ladra é apenas mais um exemplo do trabalho de um dos grandes gênios do século XX.
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Marnie, Confissões de Uma Ladra é um dos melhores filmes da fase final da carreira de Alfred Hitchcock, trazendo uma história intrigante e complexa, centrada em uma personagem fortíssima e um coadjuvante excelente. A sequência final pode ser elencada entre as melhores do mestre do suspense.
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IMDb
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Roteiro
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Elenco
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Fotografia
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Trilha Sonora