O Anjo Exterminador – 1962 (Resenha)

Se você já assistiu algum filme do diretor Luis Buñuel deve concordar que a sua importância para a arte é indiscutível. Sua presença dentro de um movimento artístico que se instalou na Europa nos anos 20, mais conhecido como surrealismo, foi importantíssima, principalmente para a forma de como fazer e pensar cinema.

Já falamos aqui sobre uma de suas principais obras: O Cão Andaluz. Um filme completamente surrealista e perturbador de apenas 20 minutos. Na primeira vista (e até na última), você não entende, mas, se estudar o contexto e as metáforas dentro dele, sua cabeça poderá explodir.

O Anjo Exterminador não chega a ser tão forte quanto o já citado Cão Andaluz, mas a sua crítica à sociedade burguesa é igualmente instigante e inteligente. Sendo considerado um dos filmes mais críticos sobre a elite.

“A moral burguesa é, para mim, uma imoralidade contra a qual há de se lutar; esta moral que se baseia em nossas instituições sociais mais injustas como a religião, a pátria, a família e a cultura, em suma, o que se denomina os pilares da sociedade.”

– Luis Buñuel

O filme mostra uma festa de gala que é oferecida na mansão de um rico casal. Os convidados e os anfitriões acabam de chegar de uma audição de Lucia de Lammermoor, de Donizetti. As horas se passam e, quando os convidados se preparam para ir embora, algo estranho acontece: ninguém consegue sair da sala ou entrar na mansão.

O surrealismo não estaria presente se fosse só isso, acontece que nenhum obstáculo físico os impede de sair ou de alguém entrar naquela casa, eles apenas não conseguiam passar a porta de entrada. Além disso, as repetições de falas durante o longa e outras cenas fora de contexto também são marcas do surrealismo.

Os simbolismos vão do início ao fim do filme, e é esse o ponto forte dessa obra. Com o passar do tempo, todos aqueles que estão presos no recinto começam a perder suas mascaras e seus comportamentos moldados pela sociedade burguesa. Toda aquela felicidade instaurada em suas caras, toda a saúde e toda a inteligência promovida por eles acabam perdendo força durante esse tempo que passam juntos e, assim, o Anjo Exterminador cumpre o seu papel.

Por que “Anjo Exterminador”? Ele é uma figura que aparece no Velho Testamento. Nos livros Gênese, Êxodo, Segundo livro dos Reis e Segundo livro de Samuel. Quando Deus percebe algo de errado, ele enviava o Anjo Exterminador para aplicar o castigo.

Antes mesmo do jantar começar, os empregados da casa sentem uma vontade inesperada de ir para casa e, sem mais nem menos, eles vão embora da mansão, mesmo sabendo que podem perder seus empregos no dia seguinte. Isso seria uma chamada para a salvação? Uma ordem divina?

Outra alusão a Bíblia, seria na cena onde aparecem cordeiros e entram na sala. Famintos, todos ali concordam em sacrificá-los. A Bíblia usou o costume de se sacrificar um cordeiro para fabricar a “Morte dos Primogênitos”, executada à noite pelo “Anjo exterminador” (Êxodo 12,13), onde Moisés ordenou que cada família hebréia tomasse um cordeiro e o sacrificasse no dia 14 do mês de Nissan, e que o sangue do cordeiro fosse passado nos batentes das portas das casas dos hebreus e que depois, até que amanhecesse ninguém saísse de casa…

O final do filme

Após uma retrospectiva do momento em que entraram na sala e ficaram presos, uma das convidadas percebe que estão na mesma posição. Ela convoca a todos para que repitam os mesmos gestos e palavras daquela noite. Porém, esses gestos e palavras são, agora, feitos e ditas verdadeiramente, sem disfarces. É a chave para a libertação. O Anjo Exterminador então abre as portas da mansão, mas não por muito tempo. No dia seguinte, na igreja da cidade, após a missa ser finalizada, nem os padres e nem o público consegue sair da igreja.

As cenas que procedem isso são dos sinos tocando e de ovelhas subindo as escadas de fora da igreja, mas o que ocorre lá dentro de agora em diante, é apenas semente para a nossa imaginação.