Nada menos que um dos mais importantes marcos do cinema de terror mundial, Halloween – A Noite do Terror ascendeu o nome de John Carpenter mundialmente. Mesmo os críticos, e público, que não conseguiram entender a paródia sci-fi de Dark Star e/ou o retrato de violência urbana de Assalto à 13ª DP, se renderam ao talento do diretor em criar uma atmosfera de terror bem construída e à aura macabra de Michael Myers.
Iniciando-se com uma antológica sequência inicial de assassinato que termina com uma revelação chocante, o filme logo se ambienta na bucólica cidade de Haddonfield, durante o Halloween de 1978. Enquanto acompanhamos a jovem Laurie Strode (Jamie Lee Curtis, a mãe de todas as scream queens) em seu cotidiano normal; pouco a pouco, percebemos que há um sinistro stalker perseguindo ela e suas amigas. Ao mesmo tempo, o furioso Dr. Loomis (o falecido Donald Pleasence) investiga o paradeiro de Michael Myers, um de seus pacientes psiquiátricos, que na noite anterior fugiu do hospital.
Halloween é conhecido por ter popularizado o subgênero slasher nos cinemas do continente americano. O subgênero em questão geralmente acompanha assassinos humanos, ou com toques sobrenaturais, que cometem seus atos das formas mais variadas, criativas e sangrentas possíveis; geralmente, contra uma galeria de vítimas adolescentes composta por vários estereótipos (a heroína virgem, a melhor amiga “saidinha”, o atleta, o nerd e por aí vai). Apesar de ter tido seu ápice, e fórmula estabelecida, com o posterior Sexta-Feira 13, de Sean S. Cunningham, Halloween ditou as bases para todos os filmes slashers posteriores.
É importante salientar que Halloween foi o pontapé inicial da popularidade dos slashers somente em solo americano, pois na Europa o gênero já estava sendo trabalhado há alguns anos por cineastas como Mario Bava (Banho de Sangue é um dos principais representantes do gênero). Além disso, há raízes claras do subgênero em filmes estadunidenses anteriores a Halloween como Dementia 13, Black Christmas e O Massacre da Serra Elétrica; todos influenciados pela obra que modernizou o terror mundial, o clássico Psicose de Alfred Hitchcock.
Curiosamente, a ideia inicial de Carpenter era criar uma sequência para o excelente Black Christmas de Bob Clark (que mais tarde faria o “clássico” dos anos 80 Porky’s – A Casa do Amor e do Riso”). Carpenter, inclusive, teria entrada em contato diretamente com Clark para demonstrar seu entusiasmo pela ideia. Entretanto, o roteiro acabara por se tornar uma ideia independente, intitulado The Babysitter Murders, baseado em um conceito do produtor Irwim Yablans. Posteriormente, o produtor se deu conta que nenhum outro filme havia se intitulado “Halloween” e adaptou o conceito o conceito para que se passasse na noite das bruxas.
As fórmulas criadas pelo roteiro de Carpenter e Debra Hill em Halloween foram tão emblemáticas que serviram de estudo para vários outros roteiristas. O próprio Victor Miller, roteirista de Sexta-Feira 13, declara em várias entrevistas que, basicamente, plagiou todos os aspectos importantes do roteiro de Carpenter para criar seu filme (o acontecimento macabro do passado, o vilão misterioso, a heroína virginal, a data simbólica, os jovens se encontrando indefesos ao final, etc). Porém, o mais marcante no filme de Carpenter é justamente seu vilão.
Michael Myers é muito mais que apenas um serial killer, Michael Myers é um símbolo. Com uma caracterização construída detalhadamente, a figura de Myers mescla o real com o sobrenatural de uma forma indecifrável e intrigante que eleva sua imagem a um patamar de metáfora – no roteiro original, Myers é descrito apenas como “The Shape”. Não à toa o “bicho-papão” é frequentemente citado durante o filme; uma criatura que não conseguimos enxergar, sentir ou ouvir, mas que está sempre à nossa espreita e representa todos os nossos temores. Myers usa uma vestimenta neutra e que cobre todo o seu rosto; sua face é envolta por uma máscara branca intensamente desumana justamente por não denotar nenhuma expressão; seu andar é enervante pela paciência sinistra a cada passo; já sua falta de expressão vocal (escutamos apenas sua respiração em ritmo imperturbável) aumenta ainda mais o mistério. Carpenter cria Myers como um espectro que canaliza qualquer medo real de cada pessoa que assiste ao filme.
Algo que é extremamente sábio por parte dos roteiristas, e que foi escabrosamente desconstruído em sequências e na refilmagem do filme, é a não explicação da origem da malignidade de Myers. Quando criança, Myers tinha uma figura “normal” em uma família de subúrbio tradicional; o que pode ter ocorrido para um ato tão cruel e frio? Não conseguimos compreender; e daí entra o papel fundamental do personagem de Donald Pleasence o Dr. Sam Loomis (alusão direta ao Sam Loomis de Psicose). Dr. Loomis carrega uma carga emocional pesada por ter tentado, desastrosamente, decifrar Michael Myers por mais de uma década. A preocupação de Dr. Loomis em encontrar seu arqui-inimigo é tão patente que faz crescer exponencialmente a ameaça que Myers exala. Portanto, a inteligência da história é em não precisar de uma explicação racional sobre o que motiva o vilão, e sim, quais as emoções e marcas ele causa com seus atos e imprevisibilidade.
Donald Pleasence (o eterno Blofeld da franquia 007) traz muita dignidade ao filme. Sempre com um semblante de exaustão emocional, o ator trabalha muito bem as inflexões em suas falas para denotar uma profunda frustração pelo fracasso na terapia de Myers, sendo o ápice da dramaticidade seu momento de desabafo com o Xerife Brackett na casa do vilão. O veterano ainda consegue criar um equilíbrio admirável entre transparecer o temor que sente de seu paciente (sua urgência em encontrá-lo é palpável), com a determinação em interromper suas pretensões. A entrega de Pleasence é tanta que conseguimos criar paralelos com a obstinação de Van Helsing contra Drácula em suas diversas adaptações. Para os curiosos de plantão, o papel do Dr. Loomis foi recusado pelos antológicos Peter Cushing e Cristopher Lee.
Adaptando alguns dos ensinamentos do MESTRE Hitchcock, John Carpenter se esmera em criar uma atmosfera de expectativa desde o primeiro minuto de filme. A escolha de realizar um plano sequência em primeira pessoa durante a introdução já demonstra a competência técnica do diretor em relação a timming de suspense, fazendo questão de mudar o foco de atenção do personagem em vários momentos para nos dar a ideia do que está ocorrendo dentro da casa, por exemplo, ou até a detalhar o cuidado dele em relação à preparação do ato (como ao pegar a faca e máscara no chão). Além disso, o diretor angustia a plateia ao colocá-la, literalmente, no papel do vilão – algo inaugurado em Peeping Tom – A Tortura do Medo. Unido a isso, o diretor explora muito bem os planos abertos da vizinhança, nos deixando apreensivos de que Myers possa aparecer em qualquer lugar para espreitar os personagens.
Ao contrário dos intermináveis slashers que sucederam o sucesso de Halloween, o longa de Carpenter aposta muitos mais na criação de atmosfera de terror que na violência explícita. Portanto, apesar das mortes presentes, não espere assistir a um filme sanguinolento, mas sim, uma história de terror inebriante que sempre te dará a sensação de “mal” iminente circundante àquele ambiente e àquelas pessoas. Aliás, muito dessa sensação de “cerco” sinistro aos personagens vem da sagacidade do diretor ao colocá-los em ambientes cada vez mais fechados (das ruas da vizinhança para uma casa, da casa para o quarto, do quarto para o armário).
Sempre elegante em suas composições, Carpenter consegue enaltecer a atmosfera aterradora do longa ao criar alguns quadros inspirados, como os que enfocam Myers a frente da casa de Lindsey na escuridão, através de uma intermitente ventania. Destaca-se também o trabalho de contraste entre luz e sombra durante o último ato do filme. Talvez o uso mais simbólico desse contraste seja o plano no qual Laurie se encontra desfalecida sentada em frente ao sofá da sala, no único foco de luz do local, e cercada pelas trevas por todos os lados. Além disso, a cena da perseguição de Myers pela escada e a famosa cena de Laurie dentro do armário que trazem algumas boas lembranças da estética do expressionismo alemão. Essas duas cenas, aliás, trazem elementos que também serviram para criação de suspense em Psicose (troque o armário pelo chuveiro). Inclusive, a escolha de Jamie Lee Curtis para o papel de Laurie Strode não foi por acaso, já que é uma passagem de tocha simbólica de sua mãe, Janet Leigh, que já havia brilhado em Psicose.
E como falar de Halloween sem citar a IMORTAL trilha sonora criada por Carpenter? O impacto do tema para a atmosfera de terror do filme é tremendo, combinando perfeitamente com o estilo soturno da narrativa de Carpenter. Com toques semelhantes ao tema de O Exorcista, composto por Lalo Schifrin, a música de Halloween evoca uma sensação de mistério e horror que não te deixa parar de pensar em como aquela situação acabará mal, e como aquelas pessoas ficarão marcadas pelas ações do vilão. A única canção do filme, Don’t Fear the Reaper do Blue Öyster Cult, é utilizada de uma forma irônica bem interessante, assim como a trilha incidental de O Monstro do Ártico, que mais tarde Carpenter refilmaria em O Enigma de Outro Mundo.
Com um mísero orçamento de US$300 mil, o filme rendeu mundialmente um total de US$70 milhões, se tornando o filme independente mais rentável até então. Em 1979 foi nomeado ao prêmio de melhor filme de Horror do Saturn Award e no Festival Internacional de Filmes de Chicago; ganhou o Prêmio dos Críticos no Festival de Cinema Fantástico de Avoriaz e rendeu o Prêmio de Nova Geração do Los Angeles Film Critics Association para o seu diretor.
Decorrente de seu sucesso, o filme gerou sete sequências e uma refilmagem (que também teve uma sequência). Halloween II – O Pesadelo Continua não possui a inteligência do original, mas conseguiu manter a atmosfera do anterior ao apostar em sequência direta dos acontecimentos. Halloween III – A Noite das Bruxas foi uma tentativa interessante de criar uma franquia de antologia de histórias de Halloween, já que a saga de Michael Myers já havia se encerrado satisfatoriamente bem, porém, ninguém entrou no clima; hoje o filme se tornou um cult para poucos apreciadores. Halloween 4 – O Retorno de Michael Myers foi lançado 10 anos após o original e conseguiu ser bem-sucedido, principalmente, por respeitar alguns aspectos de direção caros ao personagem icônico e homenagear o longa de 1978; coisa que o péssimo Halloween 5 – A Vingança de Michael Myers não fez. Halloween 6 – A Maldição de Michael Myers (que possui dois cortes diferentes) tentou miseravelmente criar uma razão lógica para a vilania de Myers, sendo odiado por quase todos os fãs da franquia. Halloween H20 – Vinte Anos Depois trouxe Jamie Lee Curtis novamente para retornar a franquia ao eixo e criar um encerramento decente para o vilão, se não fosse pela ideia estúpida de colocar Michael Myers em um reality show (!) no posterior Halloween – Ressurreição. Quanto aos longas que Rob Zombie “cometeu” não há muito o que se comentar, é só tomar como exemplo todo o resto de sua filmografia (com exceção de Rejeitados pelo Diabo, uma tacada de sorte).
Frequentemente citado em listas de “Melhores Filmes de Terror”, Halloween – A Noite do Terror sobrevive até hoje pelo talento artístico dos envolvidos no filme. Um bom roteiro, que conseguiu encontrar os atores certos para seus personagens bem definidos e, acima de tudo, dirigido com uma inteligência e disciplina que deixaria Hitchcock orgulhoso. Um dos melhores, se não o melhor, filme de John Carpenter.
Leia também:
– Revisitando a filmografia de John Carpenter
Halloween é um dos melhores, e mais importantes, filmes do terror moderno, bem como do cinema independente; além de popularizar o gênero slasher no continente americano. John Carpenter se prova um excelente pupilo de Alfred Hitchcock e cria um dos melhores, se não o melhor, filme de sua carreira.
-
IMDb
-
Roteiro
-
Elenco
-
Fotografia
-
Trilha Sonora