Incluído na lista de “10 Melhores Filmes de Ficção Científica” da American Film Institute, Alien, O Oitavo Passageiro não somente é um marco dos filmes sci-fi, como também de cinema de horror; e estabeleceu novos paradigmas para as obras do cinema fantástico que são reverenciadas e seguidas até nos dias de hoje.
Dois fatores foram fundamentais para o sucesso do filme: Walter Hill e Ridley Scott. O roteiro original de Dan O’Bannon (que mais tarde criaria o cult clássico A Volta dos Mortos Vivos) se chamaria Star Beast, e foi criado a partir de uma história em conjunto com Ronald Shusett (que mais tarde fariam o roteiro de O Vingador do Futuro em 1990). A história nasceu muito devido a insatisfação de O’Bannon com o “pobre” resultado de Dark Star, filme anterior do roteirista que marcou a estreia do grande John Carpenter no cinema. O filme foi feito em caráter independente, sendo que Carpenter, sabiamente, transformou o tom do filme em algo mais satírico para tentar sublimar a pobreza de recursos (o monstro alienígena do filme é uma bola de praia!). Star Beast foi considerado muito violento por vários estúdios, sendo que a própria Fox não quis financiar o projeto de início.
O filme estava preste a ser produzido por Roger Corman, lendário cineasta por trás de pérolas IMPAGÁVEIS do sci-fi dos anos 50 como It Conquered the World, A Mulher Vespa e Criaturas do Fundo do Mar. O fato seria irônico, já que o roteiro de Dan O’Bannon havia pegado bastante referências de A Ameaça do Outro Mundo, outro sci-fi da mesma era dos trashes de Roger Corman. Além deste, o roteiro também “roubava” importantes aspectos dos clássicos O Monstro do Ártico (que seria refilmado por John Carpenter em O Enigma de Outro Mundo) e Planeta Proibido.
No entanto, tudo mudou quando Walter Hill se interessou pelo roteiro. Juntamente com David Giler e Gordon Carroll, Hill produziu o filme pela Fox, que só aceitou o feito se a carga de “sangue” do filme fosse reduzida.
Walter Hill é o cineasta responsável por filmes de ação icônicos como Wariors – Os Selvagens da Noite e Ruas de Fogo, e seria o diretor de Alien inicialmente. Outros considerados foram Robert Aldrich (O que Terá Acontecido a Baby Jane?), Peter Yates (Bullit), Jack Clayton (Os Inocentes) e o próprio Dan O’Bannon. Porém, quando Hill desistiu do cargo, o passou para Ridley Scott, após ficar impressionado por seu trabalho no pouco conhecido Os Duelistas. Na verdade, Scott obteve o aval da Fox após ele apresentar vários storyboards para os executivos, que ficaram impressionados com a visão imponente e elegante do diretor, inclusive, dobrando o orçamento do filme.
A contragosto Dan O’Bannon, os produtores Walter Hill e David Giler fizeram várias alterações no roteiro. Conceitos interessantes foram mantidos (como a conotação de estupro da forma como o facehugger ataca), mas o gênero do protagonista foi modificado (O’Bannon não havia pensado em Ripley como uma mulher), bem como VÁRIOS diálogos. O roteirista foi inclusive expulso dos sets após ofender o diretor Scott, pelas mudanças feitas, na frente de toda a equipe.
Mesmo com muitos conflitos, o resultado final de Alien, o Oitavo Passageiro foi nada menos que um novo clássico da sétima arte, considerado como um “Tubarão no Espaço” na época de seu lançamento.
Desde a cena inicial, o diretor Scott já nos deixa claro que o terror daquele filme será extraído de uma calmaria enervante. Através de um travelling espacial a frente de um sombrio planeta, o diretor explora a bucólica imagem do espaço sideral de forma a causar estranheza e apreensão pela tranquilidade e silêncio “ensurdecedor” daquele ambiente. Auxiliado pela trilha sonora atmosférica de Jerry Goldsmith, que extrai tensão da simplicidade, os letreiros criados pelo lendário Saul Bass (parceiro de Hitchcock em clássicos como Um Corpo que Cai e Psicose), vão se apresentando gradativamente em fontes diminutas, simbolizando, não só a solidão angustiante da imagem, como também a tagline genial do filme: “No Espaço, ninguém pode ouvir você gritar”. Scott ainda é inteligente ao criar um paralelo do Espaço com o interior “desabitado” da nave através de longos travellings suaves, transpondo o senso de ameaça externa para aquele ambiente.
A câmera de Scott, aliás, se movimenta de forma tão elegante pelos ambientes quanto a câmera de Stanley Kubrick em determinados momentos das cenas espaciais de 2001: Uma Odisseia no Espaço, uma referência que o próprio diretor denunciou. Além disso, os planos externos que focam no movimento da nave Nostromo (referência ao escritor Joseph Conrad, de O Coração das Trevas) pelo espaço é tão bem realizada em sua aproximação enaltecedora da extensão e imponência do veículo, quanto George Lucas havia feito em Guerra nas Estrelas, outra referência do diretor.
Tão elegante quanto seus movimentos de câmera e enquadramentos (a simetria da abertura dos tubos de hibernação é LINDA), são também seus conceitos artísticos de storyboards. O obscuro planeta desconhecido é envolto por uma tempestade nebulosa, com fortes ventos e rajadas que já seriam ameaçadores por si só. Scott explora bem a atmosfera opressora daquele planeta para criar planos memoráveis da silhueta assustadora da nave alienígena. Já o interior da nave, filmado com enquadramentos enormes ideais, apresenta uma arquitetura steampunk bizarra graças ao trabalho icônico de H.R. Giger. O artista havia trabalhado com O’Bannon na adaptação nunca realizada de Duna, de Jodorowski, e chamou o colega para trabalhar em Alien. O Space Jockey é uma verdadeira obra-prima; fundindo elementos orgânicos que remetem a costelas e vértebras, a equipamentos tecnológicos com formatos agressivos, mas milimetricamente simétricos. O design é extremamente eficiente em dar o ar perturbador para aquela situação em que se encontram os personagens.
Além de perturbador, toda a sequência em torno da busca pelo sinal de “socorro” alienígena é desconfortável. Scott é hábil ao utilizar os sonos diegéticos das tempestades do local, além da respiração abafada dos personagens dentro da roupa espacial para denotar claustrofobia; bem como a montagem desconfortável com imagens granuladas de monitores. A contemplação desconfortável daquela nave seria o preparo habilidoso para uma das cenas de maior SUSTO da história do cinema, que transcende o jump scare iniciado por John Carpenter em Halloween de forma ao alongar a antecipação e utilizar sons do ambiente.
Na verdade, a tensão criada por Scott não vem apenas da ambientação e da situação desconhecida, mas também da relação entre os personagens. Basicamente fazendo uma antítese inesperada do que Hitchcock fez em Psicose, Scott só nos deixa claro o real protagonista do filme próximo ao terceiro ato. Apoiado em um excelente elenco, o diretor trabalha uma dinâmica de nervos e antipatia entre as figuras, principalmente contra Ripley. Aparentemente odiada por todos, Ripley é frequentemente colocada fora de plano, ou ocultada pela figura de outros personagens. De mesmo modo, Scott faz questão de mostrar as reações impacientes dos demais aos questionamentos da personagem: como o suspiro de Ash (Ian Holm, ASSUSTADOR) ao ter que explicar como um sensor funciona, ou até mesmo como o personagem fica de costas para Ripley durante um momento emocional. Não há como não pensar que a reação contrária à autoridade de Ripley seja por ela ser mulher em um “clube do bolinha”.
Fincando seu nome eternamente na história do cinema, Sigourney Weaver trabalha Ripley, incialmente, como uma figura completamente formal e lúcida, como ao forçar uma calma ao impedir a entrada de alguns parceiros na nave. No entanto, com o seguir da história, Weaver começa cada vez mais a se posicionar como líder ao impor seu tom de voz, sem perder um senso de temor ao se ver em uma situação desesperadora (reparem em seu choro nervoso ao não obter resposta da “Mãe”). O papel quase ficou com Meryl Streep e Helen Mirren.
O trabalho de direção para empoderar Ripley é tão meticulosos que pode ser percebido até pelos enquadramentos de Scott. Há uma cena em especial, em que Ripley exige respostas de Ash em um laboratório; enquanto ela faz perguntas evasivas, o único mostrado no plano é Ash (em um ângulo que o coloca superior à outra), quando Ripley finalmente o desafia, Scott cria um contra-plano com a personagem ao centro, e a mantém desde então.
Para construir o terror do filme, Scott se baseou muito no trabalho de Tobe Hooper no clássico O Massacre da Serra Elétrica, que por sua vez utilizava vários recursos importantes do cinema de terror iniciados por Hitchcock em Psicose. Tomemos a famosa cena do jantar como exemplo. Scott começa com um plano circular tão fluido quanto já havia feito no início do filme, explorando a dinâmica relaxante de cada um dos tripulantes. Quando Scott corta para uma expressão de curiosidade sutil de Ash, é quando a audiência sabe que não há algo correto ali. À medida que Kane (John Hurt) convulsiona, Parker (Yaphet Kotto) e Dallas (Tom Skerritt) tomam a frente para contê-lo, enquanto Lambert (Veroica Cartwright) assume uma pose histérica que a caracterizará o resto do filme. Ripley fica de fora do plano (sua revelação ainda está por vir). Quando o primeiro esguicho de sangue sai, Scott faz questão de gastar alguns segundos para que todos se paralisem com o susto, reação natural de qualquer pessoa para tentar processar a situação. Com ótimo uso de efeitos sonoros, o diretor conclui o ato grotesco com o gore necessário, enquanto todos observam incrédulos.
Scott utiliza bem o efeito da “marretada de Leatherface” para impactar os espectadores com um choque inesperado. E notem também como o diretor utiliza um som, por vezes quase imperceptível, de batimentos cardíacos que se intensificam com a aproximação do perigo; um efeito atmosférico que serviria para substituir a câmera subjetiva do olhar do vilão tão utilizada em filmes slashers.
Não somente nessa cena de horror, como também em todas as outras, Scott lança mão de artimanhas que Polanski e Spielberg também utilizaram em O Bebê de Rosemary e Tubarão, respectivamente, e evita de mostrar o monstro completamente. Permitindo que a imaginação do espectador trabalhe a ameaça, os ambientes sombrios enaltecem a natureza da criatura, assim como os elementos de cena (um bipe localizador, correntes dependuradas e fontes de luzes) funcionam como fator gerador de tensão para suas ações. Além de ser outro trabalho excepcional de design de H.R. Giger (a criatura é realmente ATERRADORA), o trabalho de efeitos mecatrônicos e maquiagem liderados por Carlo Rambaldi (de E.T. e Contatos Imediatos de Terceiro Grau) são um primor de efetividade (o detalhe da sialorréia da criatura é sensacional).
Também há de se enaltecer os conceitos científicos riquíssimos que o filme entrega. Além de servirem para levar a trama adiante ao apresentar o vilão, a parte científica do filme funciona como uma evolução coerente dos atos dos personagens, que precisam conhecer o inimigo para saber vencê-lo. Além da interessante conotação sexual do facehugger (outro design BRILHANTE) para simbolizar o método de reprodução dos alienígenas, o método de crescimento e até defesa das criaturas (o detalhe do sangue ácido é genial), são explorados com uma autenticidade genuína; da mesma forma que um CHOCANTE plot twist no fim do segundo ato, acerca da natureza de um dos tripulantes, que engrandece ainda mais os conceitos daquele universo futurístico. Destaque para os excelentes efeitos especiais práticos criados por Brian Johnson, que também estava trabalhando em O Império Contra-Ataca na mesma época.
E não há como deixar de citar a mise-en-scène de todo o terceiro ato, em que Scott destila seu talento para instigar tensão e urgência nos espectadores através de planos mais fechados sufocantes, câmera na mão com movimentação frenética em ambientes cada vez mais limitados, cheios de luzes estereoscópicas, alarmes e jatos de extintores. A agonia dos personagens é palpável, enquanto o diretor alonga o sofrimento dos mesmos em situações cada vez mais claustrofóbicas assim como no fim de Halloween – A Noite do Terror.
Além do revelador desempenho de Sigourney Weaver, o filme também contou com uma excelente participação de Ian Holm (o Bilbo Bolseiro, de O Senhor dos Anéis) que sempre nos deixa com a pulga atrás da orelha, e que inclusive não estava no roteiro original de Dan O’Bannon. Destaque também para a lucidez de Tom Skerritt (da fascinante Contato) como Dallas, um papel originalmente oferecido para Harrison Ford. Já Harry Dean Stanton (o pai da Garota de Rosa Schoking) e Yaphet Kotto (o Kananga de Com 007 Viva e Deixe Morrer) exploram a boa dinâmica que tem em conjunto, assim como John Hurt (R.I.P.) é inteligente ao não chamar atenção para si mesmo. Já Veronica Cartrwight transparece com talento a insegurança e desconforto da personagem, tendo o prazer de também ter participado de outra sci-fi de terror clássica no ano anterior em Invasores de Corpos.
Alien, o Oitavo Passageiro foi laureado pela crítica internacional. O filme possui 97% de aprovação no RottenTomatoes, e foi selecionado para preservação no National Film Registry, pela Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos, sendo considerado “culturalmente, historicamente, ou esteticamente relevante”.
Sucesso estrondoso de bilheteria (arrecadou $185 milhões para um orçamento de $11 milhões), o filme venceu um total de 17 prêmios internacionais, tendo concorrido a mais 19. Venceu o Oscar de Melhores Efeitos Especiais e ainda concorreu ao de Melhor Direção de Arte. Também venceu Melhor Filme e Melhor Diretor no Saturn Award da Academy of Science Fiction, Fantasy & Horror Filmes, USA.
E como não poderia deixar de ser, Alien gerou uma onda de filmes de terror espaciais e com monstros alienígenas, assim como Mad Max criou uma “marca” de filmes pós-apocalípticos. Muitos deles foram filmes de terror B de baixo orçamento como XB: Galáxia Proibida e Galáxia do Terror, esse último inclusive produzido por Roger Corman. Inclusive um dos títulos provisório do filme era They Bite (“Eles Mordem”), que acabou se tornando o subtítulo e tag line de um divertido cult dos 80’s chamado Criaturas, um “sub-Gremlins” que parodia E.T. e Alien.
Enfim, não há como deixar de encontrar cada vez mais elogios para Alien, que não só ajudou a elevar o terror ao mainstream, como também criou a primeira heroína verdadeiramente independente do cinema e ainda é uma verdadeira aula de direção. Obrigatório para qualquer cinéfilo.
Clássico moderno que ajudou a redefinir o cinema de terror e de ficção científica, Alien, O Oitavo Passageiro tem um excelente roteiro que bebe da fonte das clássicas sci-fi dos anos 50, uma das melhores direções de Ridley Scott, e uma protagonista que se tornou um dos símbolos máximos do feminismo do cinema.
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IMDb
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Roteiro
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Elenco
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Fotografia
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Trilha Sonora