Se o trio ZAZ (David Zucker, Jim Abrahams e Jerry Zucker) estivesse em pleno “Verão do Amor”, lendo O Guia do Mochileiro das Galáxias, assistindo filmes de ficção científica B dos anos 50 e resolvessem criar uma paródia de 2001 – Uma Odisseia no Espaço, com baixo orçamento, possivelmente, a obra resultaria em algo parecido com Dark Star.
Longa-metragem de estreia do grande John Carpenter, Dark Star, na verdade, foi criado como um curta. Porém, ao obter grande sucesso em festivais onde foi exibido, foi transformado em um longa não só por Carpenter, mas também por seu parceiro roteirista, montador e ator Dan O’Bannon. O filme se passa em 2150, sendo que a Dark Star do título é uma nave espacial com uma pequena tripulação composta por astronautas estadunidenses com a missão de destruírem “planetas instáveis”.
Claramente fazendo alusão ao clássico que Stanley Kubrick e Arthur C. Clarke criaram em 1968, o longa traz algumas boas ideias para criar comédia a partir das situações de 2001. A referência óbvia fica para a “versão trash feminina de HAL 9000”, o computador de bordo da Dark Star. Sempre trazendo diálogos bastante espirituosos, principalmente ao conversar com a Bomba nº 20, o computador de bordo utiliza uma voz extremamente calma e suave, o que cria um contraste enorme com várias das situações desesperadoras em que os astronautas se encontram, extraindo um timming cômico afiado.
Algo que que ajuda a inspirar o tom de comédia do filme são as atuações do elenco. O fato de os atores serem bem limitados ajuda no clima trash do filme. E por mais que nenhum ator seja capaz de grandes feitos, ao menos eles entendem que um certo tom de seriedade ajudaria no caráter cômico pelo contraste das situações, portanto, todos os atores conseguem criar comédia justamente pelo modo como encaram os absurdos. O destaque fica para Dan O’Bannon, que possui maiores oportunidades de fazer até humor físico, como na sequência onde enfrenta um alienígena com uma vassoura (!).
Curiosamente, o filme traz algumas discussões filosóficas (principalmente as reflexões finais da Bomba nº 20) que se assemelham muito aos diálogos que o gênio Douglas Adams criou em sua série literária iniciada por O Guia do Mochileiro das Galáxias (lançado em 1979). O tom de comédia equilibrado com outro gênero também seria feito por O’Bannon em seu posterior A Volta dos Mortos-Vivos, clássico terror dos anos 80.
Apesar de ser efetivo de uma forma geral, Dark Star seria muito melhor como curta. Em vários momentos, fica explícito o modo como Carpenter e O’Bannon estenderam as situações do filme. Toda a sequência do quarto dos astronautas, ou aquela envolvendo o pet alienígena de Pinback (O’Bannon), por exemplo, poderiam ser excluídas tranquilamente do filme sem gerar prejuízo. Em soma, há vários temas interessantes que são jogados durante a narrativa sem grande desenvolvimento, como a cabin fever pela qual Pinback passa em determinando momento, ou os devaneios solitários de Talby (Dre Pahih). A sequência do alienígena em questão, só se redime por ser verdadeiramente HILÁRIA, trazendo um antagonista que rivaliza com os vilões de Ataque dos Tomates Assassinos. Inclusive, fica claro para quem assiste que essa foi a semente da ideia que O’Bannon teve para criar o roteiro do clássico Alien – O Oitavo Passageiro.
Além de atuar, roteirizar e montar o filme, O’Bannon também foi responsável pelo design de produção do longa. Apesar dos recursos limitados (o filme foi feito apenas com US$60 mil) é possível perceber a criatividade envolvida: enquanto as salas de operações trazem um ar nostálgico cheio de botões e luzes piscando característico da época, o quarto dos astronautas contrasta pelo design que mais parece uma cela de prisão. Destaque também para o design do monitor do computador de bordo, que traz caracteres que, à distância, formam um rosto blasé no vídeo.
Apesar de ser um filme com a marca mais característica de O’Bannon, o talento de Carpenter em determinadas cenas já nos oferece um vislumbre sobre o que estaria por vir em sua excelente carreira. A sequência de Pinback em um vão de elevador traz alguns momentos de suspense tão bem construídos (como a luz se acendendo inadvertidamente, ou as pausas momentâneas das engrenagens) que lembram momentos da carreira de Hitchcock (uma das influências de Carpenter). Já os planos criados por Carpenter nas cenas dos astronautas à deriva fora da nave são belos pela forma como o diretor trabalha o espaço além do capacete dos personagens, ou até o reflexo dramático dos mesmos. Também deve-se citar o bom uso de cores feito por Carpenter e seu diretor de fotografia Douglas Knapp, que explora o vermelho, verde e azul como as cores básicas para criar bons efeitos lisérgicos (reparem na viagem hiperespecial nos créditos iniciais). E como não citar a trilha sonora de Carpenter, que evoca um clima sombrio que denota as ficções científicas B dos anos 50.
O filme angariou o Golden Scroll de melhores efeitos especiais no Academy of Science Fiction, Fantasy & Horror Films, USA, em 1976. Também foi indicado ao Nebula Award de melhor roteiro pelo Science Fiction and Fantasy Writers of America, e ao Hugo Awards como melhor filme, ambos em 1976.
Apesar da simplicidade, O’Bannon e Carpenter demonstraram talento e potencial em Dark Star; ao apostar na sinceridade da energia do filme e contornar a falta de recursos com criatividade. Uma comédia de ficção científica divertida, principalmente para os saudosistas.
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– Revisitando a filmografia de John Carpenter
Em seu divertido longa de estreia, John Carpenter lança mão de uma parceria criativa com Dan O’Bannon (A Volta dos Mortos Vivos) para criar uma comédia de ficção científica que, abraçando seu espírito trash, consegue explorar com criatividade suas situações paródicas de 2001 – Uma Odisseia no Espaço.
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IMDb
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Roteiro
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Elenco
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Fotografia
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Trilha Sonora