Stanley Kubrick por um longo tempo pretendia produzir uma ficção científica sobre vida alienígena e a existência de uma inteligência extraterrestre muito superior a dos humanos. Foi então que em 1964 conheceu um especialista no assunto, o escritor inglês Arthur C. Clarke, um dos mais renomados autores de ficção científica de todos os tempos.
Após meses trabalhando juntos, a dupla concluiu o projeto intitulado 2001: uma odisseia no espaço, inspirado em um dos romances anteriores de Clarke chamado A sentinela (1948). A partir daí, Kubrick iniciou uma faraônica empreitada para produzir um dos filmes mais importantes da história do cinema e das artes em geral durante todo o século XX.
Para a cineasta e jornalista Angela Errigo:
“O filme desafia as convenções do gênero e difere de qualquer outra obra de ficção científica feita anteriormente. Do ponto de vista visual 2001 é inegavelmente incrível. Efeitos visuais revolucionários que mereceram o Oscar oferecem uma admirável mistura de imaginação e ciência (…) pode ser considerado uma aventura misteriosa, um sermão, uma visão a ser apreciada compreensivamente como uma tremenda viagem pelos hippies dos tempos modernos, mas mesmo considerado apenas como um espetáculo marcante é insuperável”.
2001: uma odisseia no espaço começou a ser filmado em 1965, mas estreou oficialmente para todo o mundo no ano de 1968. O filme possui uma narrativa completamente inusitada dividida em quatro partes que não só impressionou na época de seu lançamento, como continua a impressionar seus espectadores depois de tanto tempo. Suas primeiras cenas funcionam como uma espécie de prólogo e são ambientadas na pré-história da raça humana, onde símios evolutivamente anteriores ao homo sapiens juntam-se para comer, beber, dormirem juntos, como também se organizam em agrupamentos a ponto de confrontar grupos inimigos. Nesse capítulo da “aurora do homem”, os símios são surpreendidos por um monólito negro de origem desconhecida fincado em uma erosão rochosa. Espantados, os homem-macacos aproximam-se cuidadosamente do estranho objeto como se percebessem que ele contém traços de vida ou possa emitir algum tipo de contato.
Após a demonstração da enigmática figura do monólito, um dos símios descobre que pode utilizar de um osso de animal pré-histórico como uma ferramenta para quebrar coisas e matar outros animais para sua alimentação. Seu grupo apropria-se de sua descoberta e notam que são capazes de enfrentar os grupos rivais utilizando de ossos como instrumentos de guerra, causando a morte de seus inimigos.
Estupefato com a arma que acabara de “inventar”, o primata arremessa o osso para o céu e enquanto cai ocorre a fusão com o maior salto temporal de toda a história do cinema, indo da pré-história ao futuro da era espacial, onde o artefato ósseo se transforma numa espaçonave atravessando o cosmos. A partir dessa cena, o filme mostra várias imagens de espaçonaves que cruzam o espaço como que embaladas pelo ritmo de uma valsa, o Danúbio Azul de Johann Strauss.
A segunda parte do filme se inicia no interior de um confortável veículo espacial chamado de Orion III, onde o Dr. Heywood (William Sylvester) viaja até o satélite artificial, Estação espacial V, para dar prosseguimento a uma investigação sobre um misterioso acontecimento envolvendo exploradores do solo lunar, cuja suspeita aponta para uma espécie de epidemia. Ao partir para a lua junto com uma equipe de investigadores, Heywood se depara com uma grande escavação onde algo estranho foi encontrado, trata-se do monólito negro que reaparece após milhões de anos distante do homem. Ao se aproximarem do objeto numa reação semelhante aos seus ancestrais primatas, a equipe sofre como que uma interferência sonora extremamente irritante a ponto de causar-lhes transtornos desnorteadores.
Em outro salto temporal, a terceira parte do filme acontece há dezoito meses depois do incidente na lua. A bordo da espaçonave Discovery, os astronautas David Bowman (Keir Dullea) e Franke Poole (Gary Lockwood) partem para uma missão de exploração do planeta Júpiter ao lado de mais três especialistas que são mantidos hibernando em cápsulas controladoras de suas funções vitais e do supercomputador que controla toda a nave, chamado de HAL 9000 (dublado por Douglas Rain).
Os computadores da série HAL são os mais avançados inventos da humanidade até então, pois são capazes de se comunicar e servir os seres humanos sem nenhuma previsão de erros. Num certo momento do filme, HAL 9000 alerta os tripulantes que a nave entrará em pane graças a um erro ocorrido em um compartimento externo. Poole sai da espaçonave em uma cápsula apropriada para averiguar o erro, mas constata que tudo está funcionando normalmente. É então que os dois astronautas começam a se preocupar, pois temem que o computador responsável pela sua missão e pelas suas próprias vidas esteja apresentando defeitos em sua superinteligência.
De maneira muito discreta Bowman e Poole vão há um lugar da nave em que HAL não pode os ouvir e tramam de desligar o computador para evitar futuros riscos iminentes. Entretanto, através da leitura labial HAL descobre o plano e de certa forma enlouquece a ponto de matar Poole arremessando-o no espaço. Além disso, o computador desliga as cápsulas em que o restante da população está hibernando desativando o monitoramento de suas funções vitais levando-os à morte. Bowman, que ficou preso ao lado de fora quando tentava inutilmente salvar seu parceiro, consegue entrar na espaçonave e num clima de muita tensão, obtém sucesso no desligamento de HAL, mas é surpreendido com uma mensagem de vídeo pré-gravada que vem lhe contar o verdadeiro objetivo de sua missão em Júpiter, descobrir os possíveis sinais de vida no planeta detectados através de ondas, como as provenientes do monólito da lua.
Na quarta e última parte do filme, a Discovery atravessa os anéis de Júpiter, no entanto, encontra-se com o monólito negro deslizando sobre o espaço. A cápsula em que Bowman está é tragada por uma espécie de portal estrelar que o submete a visões psicodélicas e surreais a ponto de levá-lo à loucura. Quando se vê aterrissado, o astronauta percebe que está num local totalmente irreal que mais parece um luxuoso quarto típico do século XVIII e observa a si mesmo envelhecendo até se transformar num feto astral, que na última cena do filme observa o planeta terra dando a impressão que regressará a ela.
O filme 2001: uma odisseia no espaço definitivamente não é um longa-metragem convencional. De maneira intencional, sua trama é extremamente ambígua e seu verdadeiro significado permite interpretações múltiplas que podem provir das mais variadas óticas, tanto filosóficas, sociológicas, biológicas, teológicas, etc. O que importa aqui é a sua ótica histórica, que por sua vez também não é unilateral, mas tomada a sua narrativa cinematográfica como narrativa histórica da segunda metade do século XX será analisada do ponto de vista técnico, pois dessa forma o filme torna-se capaz de refletir o contexto em que foi produzido.
Um dos eixos centrais do filme é a conquista do espaço pelo homem e para sua ilustração, Kubrick utilizou de recursos possíveis de serem explorados na época de sua produção. Entretanto, muitos procedimentos técnicos usados no filme foram inovadores, pois afinal, trata-se de um filme de visão futurista.
Em 1968, ano do lançamento de 2001, vários acontecimentos no cenário global demonstravam que toda a década de 1960 foi rica em ocorrências que causaram profundas e duradouras consequências políticas, econômicas, raciais, culturais, religiosas e tecnológicas. No contexto da Guerra Fria, o aspecto mais gritante mostrado no filme é a corrida espacial e seu impacto no imaginário popular, não só norte-americano, mas de grande parte do planeta.
Assim como a paranoia nuclear captada em Dr. Fantástico, existia nas mentalidades durante o período da Guerra Fria o espectro da conquista do espaço através de viagens e descobertas científicas impulsionadas pelo estrondoso desenvolvimento tecnológico maciçamente financiado por ambas as potências beligerantes. Quanto às relações entre as máquinas, percepções e mentes no século XX, Nicolau Sevcenko salienta: “Nesse novo mundo em aceleração sempre crescente, o grande ganho adaptativo, em termos sensoriais e culturais, consiste exatamente em estabelecer nexos imediatos com os fluxos dinâmicos. Esse aguçamento da percepção visual deveria ocorrer tanto no nível subconsciente como no da compreensão racional da sistemática das energias e elementos em ação dinâmica”.
Duas datas são fundamentais para a compreensão do que o filme 2001: uma odisseia no espaço significou ao ser exibido ao mundo em 1968. A primeira foi o dia 12 de abril de 1962, data em que a URSS novamente ultrapassou os EUA na corrida espacial colocando o primeiro homem em órbita, o astronauta Yuri Gagarin. Esse episódio fez com que os estadunidenses tivessem seu orgulho e autoconfiança abalados e com isso, o presidente Kennedy resolveu restaurar o prestígio nacional iniciando uma nova fase do programa espacial dos EUA. O objetivo, ambicionado desde 1961, foi colocar o homem na lua para definitivamente provar a superioridade da tecnologia norte-americana sobre a soviética e após anos de esforços num verdadeiro ritmo de uma corrida espacial, o país líder do bloco capitalista obteve êxito.
Embora posterior ao filme, a data de 16 de julho de 1969 aglomerou cerca de um milhão de pessoas em torno do Cabo Kennedy para assistirem ao lançamento do foguete Saturno V rumo ao solo lunar. Três dias depois, Neil Armstrong, um dos três membros da tripulação foi o primeiro homem a pisar na lua, celebrizando diante de centenas de milhões de pessoas que o acompanhavam pela televisão a frase: “Vou agora abandonar o módulo lunar. É um pequeno passo para um homem, mas um grande salto para a humanidade”
Todo o arsenal técnico utilizado em 2001 foi utilizado em prol da precisão com relação ao contexto histórico vivido no período. O filme foi capaz de transmitir ao espectador aquilo que sua imaginação ansiava mostrar aos seus olhos e ainda serviu para fomentar mais o entusiasmo da corrida espacial. Além daquilo que foi feito para ser visto, imagens da infinita dimensão do espaço sideral, diversos modelos aerodinâmicos das espaçonaves, computadores e aparelhos tecnológicos multifuncionais e o aspecto encantador dos planetas e da lua, 2001: uma odisseia no espaço valeu-se da trilha sonora para impactar ainda mais seus efeitos. Até o lançamento de 2001, os filmes geralmente tinham trilha musical própria, composta para a produção. Mas na montagem inicial do filme, Kubrick usou música clássica para compor as cenas. Depois de tentar outras composições, o diretor ficou tão apegado a sua escolha temporária, que decidiu mantê-la no produto final. A música era Assim Falou Zaratrusta (Richard Strauss). Essa escolha de músicas consagradas influenciou outros diretores a fazer o mesmo.
Sendo assim, o filme de Stanley Kubrick foi e continua sendo um épico, capaz de possibilitar através de sua narrativa uma narrativa histórica sobre o período em que foi produzido além de promover outros tipos de interpretações quanto ao significado de sua trama, capazes de gerar frutuosas reflexões referentes a diversos aspectos da existência do ser humano no tempo e no espaço.