Cinema e arquitetura são duas formas de arte diferentes, mas eles interagem um com o outro de uma maneira significativa e criativa. Filmes criam espaços cinematográficos, ou com suas configurações tornam praticamente reais espaços além da imaginação, a fim de revelar histórias que confundem e divertem o público.
Arquitetura é a criação de espaços, edifícios e cidades onde as pessoas passam suas vidas sem sequer perceber que o ambiente foi criado por alguém. O filme é um meio pelo qual podemos retratar o espaço através do tempo, evoluindo, ocupado por pessoas e carros, como um ambiente em constante mudança é de verdade.
Dificilmente um projeto arquitetônico vai conseguir retratar a sensação do espaço estar em constante movimento, sempre em evolução. Por outro lado, os arquitetos com suas mentes criativas, têm sido muitas vezes heróis em filmes nos quais são retratadas suas personalidades intelectuais. Ao lidar com formas de arte tão detalhadas, criativas e construtivas, é difícil definir quem influencia quem. Tudo acaba na pergunta: “O que veio primeiro, o ovo ou a galinha?”
Os filmes a seguir retratam esta relação entre arquitetura e cinema da melhor maneira possível. Alguns dos filmes que estão aqui foram escolhidos por apresentarem arquitetos e seus estilos de vida, alguns outros pela abordagem urbanística inovadora, outros elogiam ou influenciam algum movimento arquitetônico, e alguns estão aqui pela interessante abordagem do espaço e dos frames, cuidadosamente construídos. No entanto, todos eles oferecem amplas interpretações espaciais e, de alguma forma interpõem com a arquitetura e os arquitetos.
Metropolis (1927)
Metropolis é a história de uma cidade futurista onde a classe trabalhadora e a classe alta vivem estritamente divididas. O filho do comandante da cidade se apaixona por uma garota da classe trabalhadora, que segundo a profecia é quem irá revolucionar o futuro e suavizar as diferenças.
A obra-prima dirigida em 1927 por Fritz Lang é uma projeção de todos os pesadelos e sonhos para o futuro da humanidade com as máquinas. A classe trabalhadora vive dentro de catacumbas escuras dominadas por máquinas, e tem que trabalhar dia e noite, enquanto a classe alta dos planejadores da cidade vivem em arranha-céus próximos ao sol.
Alguns consideram este filme uma profecia, levando em conta que a maioria das previsões de Lang sobre as teorias urbanas e monumentos arquitetônicos vieram à vida. O filme continua a ser assustadoramente contemporâneo mesmo quase 100 anos depois.
É difícil reconhecer um estilo arquitetônico específico na cenografia desta metrópole cheia de distópicos urbanos projetados por Karl Vollbrecht. Elementos de Art Déco, Bauhaus, Modernismo e Expressionismo são mesclados com as catacumbas escuras, e góticas dos submundos.
As máquinas e o enorme elenco de trabalhadores exaustos dominaram a cidade abaixo, enquanto o arranha-céu da Torre de Babel estima e comprova o domínio da classe alta. Em um contexto arquitetônico, há uma forte essência da monumentalidade em todo o universo distópico de Metropolis, que é definida pelas enormes e óbvias diferenças entre as classes.
O filme inteiro se concentra em uma cidade futurista com todos os seus aspectos políticos, sociais, econômicos, urbanísticos e espaciais mantendo-se à frente de seu tempo.
The Belly of Architect – A Barriga do Arquiteto (1987)
“A Barriga do Arquiteto” segue o arquiteto Stourley Kracklite em Roma, onde ele tenta realizar uma exposição dedicada à arquitetura de Etienne-Louis Boullée.
Ele tem que convencer seus colegas de trabalho sobre a necessidade da tal exposição sobre a obra de Boullée, apesar de não ter tido a oportunidade de construir seus projetos ele foi uma influência para o arquiteto de Hitler, Albert Speer. Stourtley torna-se tão absorvido pelo seu projeto e as obras de Boullée que lentamente perde sua esposa, sua vida pessoal, sua motivação e saúde, desenvolvendo comportamentos obsessivos e uma dor de estômago.
Então, o que está doendo na barriga de um arquiteto? A necessidade de criar, a conceituação da arquitetura, beleza clássica, lutas de prazer e as dores do nascimento criativo são os principais tópicos referentes a este filme. Um filme sobre um arquiteto obcecado com o trabalho de outro arquiteto, enquanto experimenta o estresse e a alegria da criação.
A câmera passeia em torno das ruínas da antiga Roma, possibilitando uma cinematografia profunda e autoritária com o filme crescendo mais obsessivo e deprimente com o passar do tempo. A música maravilhosa e exigente de Wim Wenders fica na cabeça do espectador, que acompanha esta história de mortalidade, obsessão, abandono e criação.
Mon Oncle – Meu Tio (1958)
“Mon Oncle” retrata a diferença distinta entre a vida cotidiana em Paris e os estilos de vida pretensiosos daqueles que vivem em uma casa moderna nos subúrbios. Sr. Hulot, o personagem favorito de Jacques Tati, diretor do longa, é um homem com um cachimbo, um casaco e um guarda-chuva, que visita a casa de sua irmã, observando a nova tecnologia mover o mundo.
A automação moderna, os aparelhos eléctricos, as vantagens do projeto arquitetônico moderno, o zumbido constante dos sinos assustam e confundem o tio, fazendo ele se esconder no velho mundo. A criança da família cria uma relação íntima com seu tio de poucas palavras, que se pergunta sem saber do assunto com propriedade, sobre as casas modernistas da cidade, apenas com olhos de observador.
Jacques não está usando um cenário específico, mas nos oferece uma grande variedade de imagens coloridas e deslumbrantes, a fim de projetar não só o ambiente arquitetônico moderno da casa, mas a cidade de Paris. O público pode sentir-se inserido nos espaços que foram cuidadosamente escolhidos e juntamente com cinematografia belíssima, ao apreciar o humor ingênuo e infantil que está sempre presente por meio das filmagens do diretor.
A música repetitiva acompanha o espectador em uma experiência cinematográfica da vida da cidade antes e depois do movimento modernista. Embora, muitas vezes ele filme espaços modernistas que ainda hoje têm a capacidade de surpreender o olho do espectador, se distingue por uma abordagem sarcástica e irônica para os que presenciaram o modernismo e ao mesmo tempo como uma nostalgia dos velhos tempos.
Professione: Reporter – Profissão: Repórter (1975)
Neste filme, seguimos um repórter britânico-americano que rouba a identidade de um empresário morto durante sua viagem a África, a fim de um novo começo. Porém, ele não tem ideia que este homem era um traficante de armas que segue sua vida em cidades como Londres, Munique e Barcelona, tentando evitar as pessoas que o querem morto.
No caminho, ele conhece uma garota (estudante de arquitetura) e se apaixona por ela. Do terceiro mundo, África, para as grandes cidades europeias, Antonioni possui uma forma magnífica de retratar uma variedade de espaços e paisagens no filme.
No início do filme, John Locke diz: “Eu prefiro homens que paisagens”, mas durante o filme o espectador percebe a incrível capacidade de Antonioni para unir paisagens, imagens e pessoas de maneira coerente. Sua câmera passeia ociosamente pelo espaço, com foco na luz e na perspectiva enquanto usa elementos arquitetônicos para o enquadramento de suas imagens. Quer se trate de um retrato, uma paisagem do deserto ou um quarto, Antonioni vai retratar os elementos espaciais com grande detalhamento, focando nas formas e nas cores de forma única.
O filme é também uma homenagem a Barcelona, paisagem da Espanha, e da arquitetura monumental de Antoni Gaudí. A requintada cena na Casa Mila, obra icônica de Gaudí, consegue mostrar a obra-prima do aquiteto com enorme clareza, sem desviar o foco da trama. Afinal de contas, como alguns arquitetos afirmam, se alguém pretende se perder, os edifícios de Gaudí são o melhor lugar.
The Fountainhead – Vontade indômita (1949)
“Fountainhead” é a jornada de um jovem arquiteto ansioso para subir a escada do sucesso em uma carreira inovadora, a arquitetura, sem abandonar seus ideais. É definitivamente uma ode ao modernismo, constantemente promove a arquitetura e as idéias conceituais que definiam o movimento modernista expressas através das palavras dos heróis.
Este filme tem uma forma magnífica de transformar arquitetos em heróis da sociedade moderna, com um espírito criativo que é transmitido espiritualmente pela eternidade de seus edifícios. Rookie, o herói do filme é um homem disposto a trabalhar na área da construção civil, enquanto espera pela oportunidade perfeita para se descobrir na arquitetura, ao invés de se comprometer somente com a opinião do seu potencial cliente.
Ele é um homem livre e independente, sem expectativas de qualquer natureza, pronto para seguir seus sonhos, da sua própria maneira a qualquer custo. Os arquitetos devem se manter fieis às suas idéias e objetivos e não comprometer a empresa ou clientes, a fim de criar obras de arte originais. O maior objetivo não é apenas a construção do projeto, mas também construir com as suas próprias regras, realizar uma construção que expresse a si mesma como um todo.
O filme possui definitivamente todos os elementos de um clássico Hollywoodiano, com papéis entre homens e mulheres bem definidos, um toque de romance e ao mesmo tempo um reconhecimento da criatividade e magnificência da profissão de arquitetura. De alguma forma ele consegue combinar a era de ouro da arquitetura com a era de ouro de Hollywood em um resultado modernista.
O ambiente do filme é preenchido com os arranha-céus, que definem o modernismo, e eram populares no momento. Enquanto ambientes mínimos com aço, vidro e concreto hipnotizam o espectador. O interior dos edifícios aumentam o senso de classicismo, com antigas colunas gregas e esculturas, enchendo o interior por onde a câmera vagueia.
No geral, este é um filme totalmente focado no movimento modernista não só como um ambiente espacial, mas como um conjunto de metas, ideais e conceitos que inspiraram grandes homens para criar obras-primas arquitetônicas originais. “A forma segue a função”, como já teria dito o arquiteto Louis Sullivan, poderia ser um resumo breve do filme.
1 comentário
Sensacional! Parabéns!